Com velas acesas e segurando um caixão com os dizeres “aqui jaz o PL 1904”, centenas de manifestantes, na região central de São Paulo (SP), fizeram o enterro simbólico do projeto de lei que equipara o aborto legal feito após a 22ª semana de gravidez ao homicídio simples. O ato começou às 18h no vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e seguiu até a Praça do Ciclista, na Avenida Paulista.
Ao menos outras sete cidades brasileiras foram palco de manifestações contrárias à proposta defendida pela extrema direita. Essa é a quarta vez que as mulheres saem às ruas para protestar desde que a urgência do PL foi aprovada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em 12 de junho, em votação simbólica que durou 23 segundos.
Luka Franca, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), define o ato de Lira como uma “negociata” visando influenciar a reeleição da mesa diretora da Câmara. “Na hora em que coloca para votar em regime de urgência este PL, ele condena mais uma vez as mulheres negras à morte ou à penalização do encarceramento em massa”, diz. “A gente acredita que isso é um retrocesso gigantesco, que não tem como nem iniciar a tramitação desse PL.”Vera Soares, da Frente Estadual contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, também enfatizou a necessidade do arquivamento do PL. “Temos que nos manifestar contra esse PL 1904, que criminaliza as mulheres, crianças e os profissionais de saúde. Nós queremos enterrar esse PL, não adianta deixar para depois, não é possível uma votação dessa no nosso Congresso.”
Já para Vivian Mendes, presidente da Unidade Popular em São Paulo, o objetivo de seguir nas ruas é avançar na luta pelo aborto legal no país. “Não queremos apenas encerrar o PL 1904, queremos a legalização do aborto. Queremos aproveitar essa onda [de manifestações] para apresentar a nossa bandeira, de defesa do direito das mulheres, das crianças e do socialismo.”
A aposentada Meire Nestor já participou de vários atos contra o PL 1904 e direitos das mulheres. “Onde tem luta, eu vou”, afirma. Para ela, é inconcebível que uma criança tenha que levar uma gravidez adiante por decisão de outras pessoas. “Temos que aprender a escutar as pessoas que realmente interessam, que são as vítimas”, diz.
“Só de pensar que uma criança precisa entender que ela esteja grávida, já é uma coisa que me deixa apavorada. Agora, uma criança passando por todo esse processo violento, de ser acusada, de ir para a polícia, fazer exame de corpo de delito e, no final de tudo, ainda ter que carregar na barriga um filho de alguém que a violentou… É demais”, afirma.
Projeto da extrema direita
Pela legislação atual, o aborto é permitido em casos de estupro, risco a vida da mãe e de fetos anencefálicos. Não está previsto um tempo máximo da gestação para que seja realizado. Se o PL 1904 for aprovado, a pena para as mulheres vítimas de estupro que abortarem após a 22ª semana de gravidez será maior do que a dos estupradores.
O projeto foi proposto pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e assinado por outros 31 deputados. A maioria deles são do Partido Liberal, o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Por Martina Medina
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