Criança não é mãe: Manifestações ocorreram em diversas cidades e pediram queda do projeto que equipara interrupção da gravidez a homicídio

Diversas cidades do país receberam na noite desta quinta-feira (13) atos de movimentos feministas contra o projeto de lei que equipara aborto a homicídio, batizado de PL da Gravidez Infantil. O PL 1904/2024 prevê penas de até 20 anos de prisão para pessoas que realizarem abortos após 22 semanas de gestação, situação que ocorre majoritariamente com crianças abusadas sexualmente. 

A Frente Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto esteve à frente de atos em 17 cidades e participaram de mobilizações em outras localidades.

Os protestos foram organizados em reação à decisão da Câmara dos Deputados de aprovar a urgência para a tramitação do texto. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pautou a votação de urgência na noite desta quarta-feira (12), sem acordo entre as bancadas e sem anunciar o número do PL que estava sendo votado. Em 23 segundos, ele declarou a votação simbólica encerrada, possibilitando que o texto fosse liberado para votação apenas em plenário, sem a avaliação das comissões pertinentes. 

Segundo o texto, o aborto será igualado ao artigo 121 do Código Penal, de homicídio simples, que estabelece pena de prisão de seis a 20 anos. Enquanto que o crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, tem como pena mínima seis anos e máxima que pode chegar a apenas 10 anos, quando a vítima é adulta. Mesmo no caso de vítimas menores de idade, a pena, apesar de subir para oito anos a mínima, chega a no máximo 12 anos.

Desde 1940, o aborto pode ser realizado de maneira legal no Brasil em três situações: quando a gravidez põe em risco a vida da pessoas gestante; quando a gestação é resultado de um estupro; e, desde 2012, quando o feto sofre de uma má formação cerebral chamada “anencefalia”, que impede sua sobrevivência fora do útero. A legislação brasileira não estabelece uma idade gestacional limite para a interrupção da gravidez.

Na avaliação de Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), se a proposta de Cavalcante for aprovada, as principais prejudicadas serão as meninas vítimas de violência sexual. Hoje, mais de 75% dos casos de estupro notificados no Brasil são de pessoas com menos de 14 anos. “É muito comum que meninas que foram estupradas só percebam que estão grávidas mais tardiamente. Ou demorem a contar o que aconteceu a um cuidador”, afirma. “Esse PL estabelece uma pena altíssima [ para a mulher que realizar um aborto]: maior, até, do que o próprio estuprador cumpriria.” No Brasil, a pena por estupro de vulnerável varia entre 8 e 15 anos de reclusão, mas pode chegar a 30 anos de prisão no caso de morte da pessoa violentada.

Brasília (DF)

A mobilização em Brasília aconteceu no Museu Nacional da República e reuniu centenas de manifestantes. Segundo a secretária de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF), Thaísa Magalhães, a manifestação mostra que as mulheres atenderam ao chamado de diversas organizações feministas e sociais. “As mulheres se solidarizaram com a urgência de colocarmos o bloco na rua para dizer não ao PL da gravidez na infância”, disse Thaíssa.

Segundo a pedagoga Leila Rebouças, a discussão dessa pauta, na Câmara dos Deputados, representam uma negociação sobre corpos femininos. Ela ainda lembra que, em anos eleitorais, como é o caso de 2024, onde serão realizadas as eleições municipais, pautas conservadoras voltam a ser debatidas no Congresso. “Essa é mais uma estratégia de colocarem essas pautas para negociarem votos”, disse.


Mobilização contra o projeto de lei também lembrou que, no Distrito Federal, a cada 14 horas, uma menina ou mulher é vítima de estupro / Foto: Eline Luz

São Paulo (SP)

Em São Paulo, o ato aconteceu no vão do Masp, na Avenida Paulista e reuniu centenas de manifestantes. De acordo com Ana Paula, militante da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, as manifestações representam um basta das mulheres frente ao ataque a um direito já garantido em lei. “Foi um momento de revolta das mulheres e das todas as pessoas que gestam com a tramitação e urgência do PL 1904, que foi feita sem nenhuma consulta decente ao parlamento, porque ela não foi sequer anunciada. Em 23 segundos, Lira rifa a vida de milhares de meninas e mulheres que têm no Código Penal,  que é de 1940, um recurso para acessar um direito legal, que é o aborto em casos de violência sexual e risco de vida. Isso de fato é muito revoltante e foi o que colaborou para essa movimentação”, afirma. 


Manifestantes lotaram o vão do Masp para exigir o acesso ao aborto legal e seguro.

Rio de Janeiro (RJ)

A Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, ficou lotada para em defesa do direito ao aborto legal, incluindo para gestações que ultrapassem o limiar de 22 semanas. 

Publicado originalmente no Brasil de Fato.

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